A ilusória fantástica máquina de hits do agronejo
Algumas notas sobre a ofensiva do agro na cultura popular
A ofensiva do agro no campo da cultura popular agora conta com uma autêntica musa de fivela, cinto e bota: a boiadeira que virou maloqueira, a menina da pecuária, a princesa do agronejo, Ana Castela. Emplacando hit atrás de hit no Spotify, a jovem é uma espécie de Anitta da pecuária. O impacto da "boiadeira” e da sua peleta musical que não tem fronteiras — vai do reggaeton ao funk — é tão grande que até o “Embaixador” Gusttavo Lima está pensando em oxigenar seu som com uma pegada mais “funknejo”. O agronejo chegou pra ficar — e ele é só o começo.
“Country brasileiro é Jeca Tatu vestido de cowboy”: foi assim que o herói da crítica musical brasileira José Ramos Tinhorão qualificou a onda de música “sertaneja” que invadiu a cena cultural nas décadas de 1980 e 1990. Desde que o pequeno texto de Tinhorão foi publicado em 1993 (você pode encontra-ló no livro “Música e cultura popular”, da Editora 34), muita água rolou por debaixo dessa ponte. Para o sertanejo, a inspiração no country norte-americano ficou no passado. Apesar de ter sido instrumental para a formação do gênero, o termo “country” ficou fora de moda.
Tinhorão relaciona a ascensão dessa nova música sertaneja (Sérgio Reis, Chitãozinho e Xororo, por exemplo) com o surgimento de elites locais beneficiadas pela diretriz oficial da ditadura militar de “exportar é a solução”. Essa pensamento moldou o que conhecemos como “agronegócio”. Essa nova elite de pequenas e médias cidades brasileiras ansiava por uma música mais moderna e cosmopolita (daí vem a brincadeira do Jeca Tatu vestido de cowboy). O modelo econômico foi o vencedor e o gênero musical, apoiado pelo dinheiro da venda de soja e boi é o detentor absoluto da hegemonia musical do Brasil contemporâneo. O Agro venceu. E agora, eles querem contar as suas histórias também nas telas: "Resnga Hits”, do Globoplay e “Só Se For Por Amor”, do Netflix são dois exemplos desse tipo de produção.
A propaganda é a alma do negócio e o agro sabe bem disso. Essa incursão no audiovisual pode ser considerada como mais um capítulo de rebrading do setor, que começou com o slogan de “o agro é pop”. GG Albuquerque explicou bem como o “agronejo” é a melhor expressão da articulação entre a indústria da música sertaneja e o agronegócio e as agroséries, como Rensga Hits, são mais uma frente nessa batalha. No centro dessa estratégia, está a captura do imaginário brasileiro, em todos espectros do entretenimento: seja música ou na TV, setor está colocando em marcha seu slogan: o Agro é Tech, o Agro é Pop o Agro é Tudo.