Gíria não se explica, se sente. Quer um exemplo? O “desgraça” do baiano. Só quem já ouviu sabe a força que um bom “desgraça” tem. Não dá pra explicar. E o Rio de Janeiro tem o “ainda”. Se você procurar no teu dicionário Aurélio, “ainda” é um advérbio da língua portuguesa que expressa tempo. No Rio de Janeiro, é uma interjeição que pode ter diversas significados. E bom, não dá pra explicar, só sentir. Eu já vi várias cariocas tentando explicar o que significa o tal do ainda e são tantas variáveis que nunca fica muito claro que o significa o “ainda”. É um carioquês clássico. E não tinha um nome melhor pro segundo álbum do Mc Cabelinho do que “Ainda”.
Na semana passada, eu escrevi sobre como o rap e o funk vem se aproximando e “Ainda” sintetiza muito bem esse movimento: BK, Dfideliz e a Budah fazem ótimas participações (principalmente o BK, que destruiu na faixa que abre o álbum, uma das melhores do trampo, “Reflexo” ). Mas não se enganem com os feats, porque “Ainda” é essencialmente um álbum de funk. E como é bom escrever isso: um álbum de funk. Visto injustamente como um um sub-gênero por parte do mainstream, o funk abandonou o modelo de álbum e single pois ele não faz sentindo para o ecossistema construído pelas produtoras pioneiras como a Furacão 2000 e se estendeu para os impérios modernos GR6 e Kondzilla. Se você é dessa época, vai lembrar que os CD's da Furação 2000 eram compilações de músicas de diversos artistas. Para nossa alegria, nós temos uma geração de funkeiros que tomou gosto por essa coisa de lança álbum.
Falando especificamente sobre o “Ainda”, o crescimento do Cabelinho como artista e MC é notório. A sonoridade é enraizada no funk, mas incorpora muitos elementos do rap (como o uso do auto-tune), mas é dinâmica o bastante para não se tornar enjoativa e nem brega. O grosso da produção fica parceiro de sempre do Cabelinho, DJ Juninho da Espanha e o álbum se beneficia dessa parceria, porque a sintonia entre os dois é perceptível. Cabelinho é um MC versátil e no “Ainda”, temos faixas reflexivas como a já citada “Reflexo”, “Liberdade” e “Saudade”, aquelas que celebram a sua vitória, como a “Favela Venceu”, que conta com um verso afiado do sempre excelente MC Hariel, (mostrando para os fãs de Eminem como se faz um speed flow de qualidade). A lenda do funk carioca Mc Orelha aparece em “Verdade de Perto”, mostrando que ainda tem lenha pra queimar. O subestimado herdeiro do Rodriguinho e príncipe do R&B de quebrada, Gaab, faz um dueto inspirado com Cabelinho em “Essa Noite” (lá pelas tantas, a dupla manda um “ir pra uma laje no alto do morro/transar ouvindo o meu álbum novo”, quem pode, pode né?). O álbum perde um pouco da força no finalzinho, mas não importa: Ainda não ouviu “Ainda”? Ta esperando o que?
Se eu não tiver ice, glock…
Marcão Baixada prometeu e entregou um dos melhore raps do ano. Pra lançar “MEU MELHOR RAP DO ANO” (afinal, all caps when you spell the man name), Marcão construiu um baita movimento. O teaser da faixa (“Se eu não tiver ice glock, glock ou 1 milhão de views/Nego eu to fodido) já ecoava na minha cabeça e o single cumpriu todas as expectativas. Marcão é reconhecidamente um dos pioneiros da nova escola do rap, um dos primeiros expoentes do trap caioroca e calcula muito bem todos os seus passos. Larga o hype desses trappers que só tem ice e glock e escute mais Marcão Baixada.