É uma história digna de Arquivo X, mas realmente aconteceu: Em 1518, uma cidade inteira foi acometida por uma epidemia de dança. Tudo começou com uma cidadã chamada Frau Troffea, de Estrasburgo, na França, que começou a dançar sozinha e sem música no meio da rua. À princípio, ela foi encorajada por palmas e gritos, mas não demorou muito para perceberem que havia alguma coisa errada. Troffea não parava de dançar. 6 dias depois, mais gente se juntou ao ritual bizarro, que só foi parar depois de quatro meses e várias mortes por exaustão e infartos. Ninguém soube explicar o que casou a epidemia de dança Estrasburgo — que não foi a única registrada na Idade Média europeia. Pessoas dançando sem música no meio da rua sem um motivo aparente? Qualquer semelhança com a febre de danças do TikTok não é mera coincidência.
Pobreza, fome e uma epidemia mortal: a vida no Brasil em 2021 parece muito mais com a França de 1500 do que gostaríamos de admitir. Outro ponto em comum é a suspensão de rituais sociais como festas, shows por um longo período — o que significa que as pessoas não tem onde dançar, beber e extravasar suas frustações. E qual a saída? Dançar como se não houvesse amanhã. Uma das explicações possíveis para a dançomania da idade média é a hipótese de um tipo de “contágio cultural” que atingiu cidades que estavam atravessando um período de extremas dificuldades econômicas e sociais. Mais uma semelhança macabra.
Saindo de Estrasburgo e chegando no Brasil, a notícia do momento é que os artistas de sertanejo deixaram de aparecer no ranking de mais ouvidos no YouTube pela primeira vez desde que a lista foi criada, em 2018. A queda foi um choque para o ritmo que reinava de maneira hegemônica no mercado fonográfico nacional, deixando empresários e artistas atônitos. Mas olhando um pouco mais para quem está ganhando terreno com o declínio do sertanejo — a pisadinha e o funk — notamos um denominador comum nesses dois ritmos: são músicas de festa, de tom puramente celebratório. Num contexto em que as pessoas querem dançar sem pensar no amanhã, a sofrência do sertanejo perdeu seu lugar.
Mas a pergunta que fica é: afinal, o que os brasileiros estão celebrando em 2021? A ascensão da pisadinha e consolidação do funk nos chats indicam uma mudança tanto na velocidade quanto na forma que o mercado brasileiro consome música. DJ Ivis, o arquiteto do forró eletrônico por excelência, explica de forma didática essa transformação: “Com a chegada da pandemia, girou a catraca, rodou a roda gigante e ficou mais fácil produzir o forró eletrônico. Pela 'falta de música', falta de conteúdo mais ágil, o forró eletrônico tomou espaço que estava aberto e entrou nessa brecha.” A forma é o conteúdo são digitais — a música pronta para ser transmutada em “conteúdo” tanto para as plataformas de streaming quanto para dançomania do TikTok e Kwai. Assim como em Estrasburgo em 1518, no Brasil de 2021, a dança não pode parar.
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