Entendendo a Invasão dos Festivais
Nada é sagrado para o setor mais lucrativo do entretenimento nacional: a indústria dos festivais
O The Town (eu sei, o nome não é nada memorável) está chegando na cidade: O “Rock in Rio de São Paulo” só vai acontecer em setembro de 2023, mas o circo da nova empreitada do mega-empresário Roberto Medina já está na rua: o primeiro “movimento de comunicação” (campanha de marketing, traduzindo para o português) já foi lançada. Como o seu irmão mais velho, o The Town transforma seu palco num "município”: o autódromo de Interlagos vai virar a “Cidade da Música”, com direito a infame Roda Gigante e tudo mais. Você pode ver o teaser institucional (que parece o metaverso do Zuckerberg) aqui embaixo.
O objetivo de longo prazo do The Town é entrar no calendário oficial da cidade. E mais do que um evento anual, festivais como o The Town, Rock in Rio e Lollapalooza querem se transformar na única alternativa de cultura urbana brasileira. A música, muitas vezes, é só uma desculpa. O festival GPWeek, realizado pela 30E – Thirty Entertainment, encontrou uma outra: o Grande Prêmio de Fórmula 1. O GP (que é uma abreviação de “Grande Prêmio”) do Brasil completa 50 anos e é claro que os organizadores iriam tentar tirar uma graninha dos fanáticos com colecionáveis — e como estamos em 2022, as figurinhas são em NFT. Contudo, o festival GPWeek — que vai acontecer na semana da corrida — não tem absolutamente nada ver com o GP.
Se nem a prestigiosa F1 consegue se esquivar da ganância dos organizadores de festivais, imagina a maior festa popular brasileira. Se aproveitando da suspensão promovida pela pandemia, o Carnaval foi atacado de todas as formas possíveis imagináveis. Desde do seu cancelamento na sua data original por “razões sanitárias” — quando o Lollapalooza rolava livremente, inclusive — até a proliferação de festas privadas de “bloquinhos”, o Carnaval de 2022 foi estranho. Mas esse butim não foi suficiente pra indústria dos festivais: por que não fazer o nosso próprio Carnaval? Foi com essa ideia na cabeça que a Dream Factory e V3A alugaram a Marquês de Sapucaí e irão realizar seu próprio “Carnaval fora de época” no Rio de Janeiro.
Apesar da intenção de convidar Blocos e Escolas de Samba para sua própria festa, organizações como a Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA) e a Sebastiana (Associação dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro), recusaram o convite. A presidente da Sebastiana, Rita Fernandes, foi direto ao ponto:
A tradição é carnaval de rua, na rua. E ponto final. Isso é um evento comercial. Além disso, respeitamos tradições. Julho é período para festas juninas, e não de carnaval.
Lá em 2019, eu me perguntava o que tinha acontecido com as festas de rua em São Paulo. Alguns anos e uma pandemia depois, o quadro é muito mais complexo e pessimista pra quem quer se divertir e não se render a indústria dos festivais: a reforma do Vale do Anhangabaú instrumentalizou e colocou na lógica do mercado um espaço que era vital para o ecossistema dos rolês de ruas gratuitos — e orgânicos — da cidade.
Muita gente vai argumentar que os festivais geram renda e trabalho, mas poucos questionam a qualidade dos empregos gerados nessa indústria: essa reportagem do TAB enumera a extensa ficha corrida que festivais como Rock in Rio, Lollapalooza e o novato Rep Festival: jornadas abusivas, falta de higiene, exploração de pessoas em situação de rua… a lista é extensa (Rock In Rio já foi até autuado por trabalho escravo). Denúncias a parte, a disputa pelo coração da diversão urbana está sendo vencida de lavada pela indústria dos festivais. Será que existe um outro caminho? Uma rota em que a cultura, diversão e o entretenimento nacional não sejam mercantilizados pelos mesmo grupos de empresários?