Em 1969, crítico musical brasileiro José Ramos Tinhorão lançou um livro chamado "O samba agora vai — A farsa da música popular no exterior." Mais direto, impossível. A tese central da obra é simples: Na indústria musical (como em qualquer outra indústria), os países desenvolvidos utilizam a matéria prima de países periféricos conforme seus interesses políticos ou comerciais, afinal eles controlam o mercado mundial. Quando a música da periferia “vinga” ou “vence” no exterior, suas características são diluídas e distorcidas para agradar o mercado norte-americano e europeu que não sobra quase nada de original.
E se como disse Marx, a história se repete a primeira vez como tragédia (a Bossa Nova), hoje assistimos impotentes a volta do que não foram como farsa, dessa vez com o funk, que chegou no Grammy (via Cardi B). O filme é antigo: em 2005, a Fader, tradicional revista musical norte-americana, mandou um jovem DJ de Seattle chamado Thomas Wesley para o Rio de Janeiro. O objetivo? descobrir o que diabos era o “Baile Funk”, som que circulava em alguns CD’s piratas nos EUA. O vulgo do DJ? Diplo. O resto é história.
A dupla Diplo e M.I.A “internacionalizou” o funk, mostrando a potência criativa do gênero para a classe média brasileira, que sempre virou o rosto para esse ritmo de preto e favelado. Diplo construiu sua carreira “adaptando” (usurpando, se você preferir) gêneros periféricos. Depois do funk, foi a vez do reggae e dancehall, com o seu projeto paralelo, o Major Lazer. Diplo traçou o caminho. Sua melhor aluna foi a Anitta, que ganhou projeção no mercado nacional através do funk — e se descolou rapidamente do gênero, se transfigurando em uma cantora “urbana” (o termo genérico norte-americano para artistas voltados para o mercado latino). Adaptada as demandas do mercado, até em italiano a ex-funkeira já atacou.
Contundo, o funk demorou para decolar no Brasil. As gravadoras brasileiras simplesmente não sabiam o que fazer com o ritmo. Coube as próprios autores criarem um circuito, produtoras e gravadoras, colocando de pé uma indústria independente e sustentável, descolada dos grandes cartéis que comandam o estéril mercado fonográfico brasileiro. A vitalidade e o espirito inovador do funk reside aí: não é nenhum executivo da Universal que decide qual vai ser o próximo lançamento do Mc Meno K.
Mas os tubarões estão de olho. O infiltrado da indústria Pedro Sampaio já se ofereceu pra produzir um “brazilian funk” para a Cardi B. Ressentindo, o cachorro grande sem dentes Rick Bonadio reclama da “baixeza” do gênero, um dos únicos nichos que passou ileso das garras de um dos maiores oportunistas da indústria musical brasileira. Felizmente, o funk está consolidado — e crescidinho demais pra cair na esparrela de “internacionalização”. Mas, como disse o poeta, prudência, dinheiro no bolso e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
O funk no Brasil não é sustentado por um monte de produtora nacional que pega qualquer cantor e lança? Não entendo como é um gênero tão pequeno sendo que tudo quanto é rádio e outras instituições vivem lançando eles. A Rebecca Andrade foi nas Olimpíadas dançando funk. O que tem de underground no gênero?